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Um amor que se foi...

O gosto agridoce e áspero da pitanga meio verde ainda persiste no fundo do céu da boca daquela manhã ensolarada na sala de aula quando os raios de luz atravessavam as cortinas e iluminavam os cabelos ruivos da menina da carteira ao lado, como um retrato do nunca mais. Ela trouxera pitangas na sacola branca como um embornal onde guardava os lápis, canetas, borrachas e os cadernos sem orelhas e sem manchas. Ganhamos oito pitangas que guardamos no bolso da camisa para saborear depois, no recreio.
A primeira foi um choque de sabor diferente, as outras como mel de abelha jataí, doce-azedas, mais osso que carne, as sementes amargas finalizavam o sabor guardado ainda hoje.
A menina ruiva sorria manso, sentada ao lado, tão perto e tão longe, as mãos mostravam os dedos longos e ossudos sob a pele alva e transparente, as unhas cortadas rente guardavam restos de terra e os cotovelos eram angulosos e magros.
Os braços reverberavam a contra-luz do sol filtrado pelas cortinas meio puídas da sala de aula. Da blusa branca, limpíssima, despontavam os minúsculos seios recém-nascendo para o esplendor da vida. A saia azul plissada descia abaixo dos joelhos, ela não cruzava as pernas longilíneas de veiazinhas azuis e pêlos suaves, quase invisíveis. Da boca vinha um perfume penetrante de leite fresco tirado agora pouco no curral.
No recreio, pensamos em lhe oferecer todos os nossos tesouros mais valiosos - as figurinhas carimbadas e raríssimas, a coleção de bolas de vidro, a pedra colorida encontrada no fundo do poço do córrego, a moeda de prata, a caneta nova, uma pena mosquitinho, o coração e tudo o mais.
Séria e compenetrada, a deusa ainda passava uma lição no caderno com desenhos ingênuos e puros. Foi naquele momento pungente que o colega antipático lhe ofereceu a maçã argentina perfumada embrulhada num papel arroxeado e macio. O coração estremeceu, as pitangas ficaram amargas, os olhos, pela primeira vez, marejaram por causa do amor que a gente não sabia o que era. Repetimos de ano, no outro fevereiro ela não voltou, a família ia se mudar do sítio para a cidade grande. De soslaio, atrás do pilar da estação, vimos a sua partida no trem. Ela foi desaparecendo mansa e vagarosamente, o rostona janelinha aberta, lágrimas rasas de cisco nos olhos azuis, cabelos ruivos ao vento, a mão longa e magra dando um adeus na partida para sempre e nunca mais. O coração juvenil apertou como um caroço de pitanga agridoce naquela tarde ensolarada no pátio da estação.

Juvenil de Souza pensa que.... um ditado que não lembro agora.

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