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Aprender a nadar

A molecada aprendia a nadar no poço fundo do córrego do Matadouro, córrego da Maria Baiana, na Pedra Escorregosa, na Cachoeirinha e às vezes, no córrego do Barro Preto, que ficava longe demais. Para começar nadava cachorrinho, batendo os pés e mãos, como um verdadeiro cachorro. Aprendia a mergulhar sem deixar entrar água no nariz. Aprendia a nadar de arrancão com as mãos, os pés e as pernas. Era obrigação: onde já se viu um moleque descalço, calças curtas e topetes lisos não saber nadar, caçar de estilingue, armar arapuca, jogar pião e bolinha de gude, soltar papagaio, assoviar altíssimo com os dois dedos nos lábios, jogar bafo com figurinhas de jogadores de futebol, rodar arco de ferro e pneus usados, brincar de salva, pique e de esconder? Foi naquele tempo, quando aquele bando de meninos crescia livremente nas ruas,
nos córregos, nos campinhos de futebol de pés descalços e sem vaidades, que encontramos toda a coragem para enfrentar o mundo como enfrentamos hoje, sem medo, sem lenço e sem documento.

Juvenil de Souza repete
que tudo que escreve aqui
são mentiras e invenções.



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Aprender a nadar

A molecada aprendia a nadar no poço fundo do córrego do Matadouro, córrego da Maria Baiana, na Pedra Escorregosa, na Cachoeirinha e às vezes, no córrego do Barro Preto, que ficava longe demais. Para começar nadava cachorrinho, batendo os pés e mãos, como um verdadeiro cachorro. Aprendia a mergulhar sem deixar entrar água no nariz. Aprendia a nadar de arrancão com as mãos, os pés e as pernas. Era obrigação: onde já se viu um moleque descalço, calças curtas e topetes lisos não saber nadar, caçar de estilingue, armar arapuca, jogar pião e bolinha de gude, soltar papagaio, assoviar altíssimo com os dois dedos nos lábios, jogar bafo com figurinhas de jogadores de futebol, rodar arco de ferro e pneus usados, brincar de salva, pique e de esconder? Foi naquele tempo, quando aquele bando de meninos crescia livremente nas ruas,
nos córregos, nos campinhos de futebol de pés descalços e sem vaidades, que encontramos toda a coragem para enfrentar o mundo como enfrentamos hoje, sem medo, sem lenço e sem documento.

Juvenil de Souza repete
que tudo que escreve aqui
são mentiras e invenções.



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A Viagem

A primeira viagem é como dar um tiro no escuro ou entrar na mata fechada sem saber direito o caminho a seguir, tudo sombrio e nebuloso. Na plataforma da estação o coração dá um balanço quando o trenzinho tocado a vapor apita lá na curva resfolegando e soltando fumaça pela chaminé. O maquinista toca o sino que badala em cima da fornalha, o trem pára tranqüilo, descem alguns passageiros, há uma troca de bilhetes num arco dependurado no beiral do telhado, o telégrafo não pára com seu tic-tac estralado e estridente, o maquinista dá umas pancadas com um martelo nas rodas quentes da máquina e dos vagões, a gente sobe pelos degraus de ferro agarrando com as mãos, os bancos são de madeira e podem ser mudados, um de frente para o outro. O trem apita, o maquinista apita, a máquina dá um assobio e partimos. E lá vai estação e mais estação e postes cruzando em velocidade pela janelinha. Um vendedor de revistas e jornais percorre os corredores gritando “O Cruzeiro!“, outro vende Guaraná Paulista, água mineral gelada, sanduíches de mortadela e queijo prato. O coração aperta, as luzes da cidade grande aparecem de repente e logo chegamos na estação assustadora, bela e brilhante com milhares de pessoas chegando e saindo e nós descemos, acompanhando a multidão.
Era o desconhecido.
Juvenil de Souza nunca atravessou o Equador.
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Uma nova vida que nasce

O caminhão com a mudança atolou na subida da estrada da Corredeira, estava chovendo muito e José ouviu um mugido de vacas vindo de um curral ali perto, no fundo da estação de ferro abandonada. José apeou do caminhão, a chuva forte penetrava na roupa e dava calafrios. Chamou Maria e levou-a no colo até o curral, que tinha uma lâmpada amarelada pendente do teto.
As vacas estavam encostadas umas nas outras, junto com as galinhas e outras criações. Ele pegou um monte de palha seca, deixou a mulher deitada e foi buscar uns panos limpos no caminhão. Daí a pouco nasceu um menino chorando. A mulher gemia e o menino berrou assustando as vacas ruminando.
A chuva parou, ele ajudou a mulher a limpar a criança enrugada e a enrolou nos panos velhos e puídos. O menino parou logo de chorar, a estrela guia apareceu no céu já sem
nuvens e o primeiro galo cocoricou lá na serra.
O casal saiu do curral, ela um pouco fraca e com fome. Subiram no caminhão, ficaram ali, dormitando nos assentos, esperando ajuda. No luscofusco da madrugada apareceram três cavaleiros de capa boiadeira. Um ofereceu leite, o outro, umas frutas e o terceiro, o pouco dinheiro que trazia na algibeira. Os cavaleiros abençoaram o menino e foram embora. Maria e José ficaram esperando o dia clarear de vez. A barra do dia vinha chegando com todas as cores e passarinhos, era um novo dia nascendo junto com o menino, como tinham nascido seus avós, naquela pobreza viajante desde o começo dos tempos.
A mãe olhou com ternura o seu menino e disse:
- “Vai se chamar Jesus”.

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Achaques da velhice

Atacado de forte crise de lumbago,
passamos o final de ano acamado, lendo uns velhos gibis do Cavaleiro Negro, Tom Mix e Nyoka, tomando mezinhas e chás caseiros de hortelã, erva cidreira e quebra pedra.
Tomamos ainda algumas pílulas de Lussen e do doutor Ross, que fazem bem ao fígado de todos nós, fomos obrigado a tomar Emulsão de Scott, aquela do homem com um bacalhau nas costas, xarope de São João junto com Elixir da Vida, umas cafiaspirinas para a dor de cabeça, Veramon também contra dores. Com um pouco de dor de ouvido colocamos algumas gotas de Aurisedina e gotas de óleo tostados com dentes de alho - tiro e queda.
Para o estômago debilitado algumas colheres de sal amargo diluído em xarope de açúcar queimado. O lumbago foi melhorando aos poucos, mas uma dor nas costas exigiu a colocação de Emplastro Sabiá e outro de erva-de-santa-maria e fedegosa, uma pasta de folhas amassadas
com sabão de pedra que foi colocada morna nas costas. Uma massagem com álcool canforado também aliviou as dores com uma fricção de água boricada.
A alimentação foi um mingauzinho de Mayzena e outro de fubá bem ralinho.
Um banho com sabonete Lifebuoy e depois massagem no cabelo com Óleo de Ovo seguida da aplicação de Multifixed de Shampoo Perfumado levantaram o nosso astral e ficamos dispostos para novas aventuras.

Juvenil de Souza é contra injeções, que nunca tomou, biotecnologia e a criação de seres transgênicos.

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Sem meia

Em nosso tempo de jogador tinha o Sem Meia, time valente de futebol que marcou a juventude de muitos. Se não falho, o time era assim: Manezão, Wilson Serrani, Bodão, Lala, Zé Carlos, Beiço, Bói e Cá. O futebol era a alegria dos domingos, um encontro festivo, uma solidariedade que foi escapando entre os
dedos. Hoje, a maioria está formada com filhos e netos - Uns foram embora e nunca mais voltaram, outros ficaram...
A vida continuou, cabelos embranqueceram, mas ficou sempre o gosto de um gol bem marcado,um chute, um drible, uma briga, a vitória importante. Todos lembramos daquele tempo inocente da juventude em que sem meia era apenas jogar sem meia, quando a vida corria
solta nos campos de terra e grama...
Muito diferente do que é hoje...uma
correria sem fim, em que temos meias, mas perdemos tudo aquilo que éramos antigamente...

Juvenil de Souza sempre foi um perna de pau, terceiro reserva e o último a ser escolhido, mesmo em jogos de solteiros contra casados.


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Lobisomens, bruxas e o diabo

A gente tinha medo de assombração,
lobisomem, mula sem cabeça, saci pererê, fantasmas de camisola, bruxas, vampiros e morcegos.
Não podia comer carne na quaresma porque dava gôgo e criava bicho no corpo. Ai de quem batesse um martelo na sexta-feira santa, quando tudo ficava quieto e só se escutava as matracas chamando para a missa. Tinha os colegas que contavam que o pai de menino da fazenda Amália foi pregar um prego na madeira, o prego saltou para cima e feriu o olho esquerdo dele, que ficou cego.
Outros contavam a história do homem que comeu carne e quando ia indo embora para casa a mula sem cabeça apareceu e o levou para o quinto do inferno.
Lobisomem, então, era o que mais aparecia - na cruz de madeira do Monte Alto, na encruzilhada das Três Árvores, no Andreta, na torre da igreja do Largo Santo Antônio e até uma vez dentro da própria igreja Matriz, quando foi excomungado pelo padre espanhol. O duro era ir embora para casa morrendo de medo depois que a gente ficava ouvindo essas histórias contadas pelos mais velhos debaixo daqueles postes de iluminação com luzes fracas e amareladas. O jeito era cruzar os dedos, fazer o sinal da cruz e pedir proteção para São Longuinho até chegar em casa, entrar debaixo das cobertas, fechar os olhos e torcer para que não aparecesse nada para amedrontar a gente. Nunca apareceu...

Juvenil de Souza não faz furo n’água.

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